É com grande delay que escrevo este texto, admito. Mas confesso que demorei dois dias pelo menos para digerir o que foi o estupro da menina de 16 anos. A brutalidade do fato para mim foi tão grande que eu simplesmente não conseguia acreditar que aquilo fosse verdade. Mais do que isso, enquanto comunicadora, não consegui compreender também a apatia dos veículos de comunicação, que só passaram a divulgar o caso após ele mobilizar a internet. Como se fosse normal uma guria ser estuprada por 33 assim.
No entanto, meu objetivo não é repercutir ou opinar sobre o caso. Ele já tem o meu repúdio natural e há várias pessoas, de diversos segmentos, que já escreveram exemplarmente sobre isso (clique aqui e aqui). Tem até uma reflexão evangélica, fato que é muito interessante, já que algumas vertentes pregam tão ferozmente a submissão feminina (leia aqui).
O que quero colocar em pauta hoje é a responsabilidade das mulheres no fim da cultura do estupro. Afinal, não basta mudar o avatar do Facebook e achar que seu papel está cumprido. Pelo contrário. Apesar de defensoras dos direitos da mulher, quantas não foram questionar e julgar a humilhação sofrida pela adolescente de 16 anos, que hoje sofre um estupro moral, dizendo que se ela estivesse na igreja tal coisa não teria acontecido? Quantas, apesar de conviver com tantos preconceitos e abusos diariamente, não conseguiram ter o mínimo de empatia por uma semelhante que sofreu tamanha violência?
O machismo de tantas mulheres é algo que simplesmente não posso compreender. Afinal, o que dizer do jogadorzinho de futebol que, como várias defenderam, “é tão bom menino”, a fim de isentá-lo da responsabilidade que ele tem no caso? Ou então como aceitar que ela tivesse “procurado” sem parar para questionar como nenhum dos 33 ou mais homens que estivessem no recinto tivessem tentado defendê-la?
Não consigo compreender o tamanho da hipocrisia de tantas mulheres que hoje se acham no direito de julgar a adolescente. Afinal, quem não tem uma saia curta ou uma blusa decotada no armário? Defender que a mulher que usa este tipo de roupa pede para ser estuprada é defender também, em algum momento, o seu futuro estupro. E não adianta achar que por não usar este tipo de vestimenta e estar sempre na igreja vai te livrar de tal ameaça: estudos mostram que 90% dos casos de estupro são cometidos por conhecidos ou familiares.
Já passou da hora de entendermos que a vítima, independente da violência sofrida, não é, nunca foi e nunca será culpada por uma agressão. Já passou da hora de entendermos que ninguém pede para ser estuprada e que sexo sem consentimento é violência sim. Já passou da hora de entendermos que todas nós, independente da raça, religião, classe social e tantos outros fatores estamos sim vulneráveis a este tipo de violência e que reivindicar segurança e respeito não é mimimi.
Mais do que isso, nós, mulheres, precisamos nos ver como semelhantes. Precisamos nos unir e ter mais simpatia umas pelas outras, vendo-nos como parceiras e não como rivais, como é tão comum por aí. Pois achar que estupro, machismo e tantas outras violências que sofremos diariamente por aí é algo que só atinge a outra (que é tida como vagabunda e tantos outros adjetivos pejorativos) é cuspir pra cima.
Precisamos nos olhar com mais carinho, com mais aconchego e menos julgamento. E tão importante quanto: ensinar nossos filhos, maridos, namorados, cônjuges e amigos que a mulher merece todo respeito e que ninguém pode encostar um dedo em mim, em você, nas suas amigas e em todas as mulheres sem o nosso consentimento, independente de qualquer situação (bebedeira, lucidez, tristeza, alegria, etc, etc).
Espero que todas nós possamos aprender desta triste fatalidade (que não se resume à da adolescente, mas recorre diariamente com centenas de mulheres) a criar uma cultura de união das mulheres, exigindo respeito de toda a sociedade, mas também ensinando este respeito aos nossos filhos. Pois se a nossa postura não mudar, de nada adianta dizer que é a favor do fim da cultura do estupro, aderindo ao ativismo virtual das redes sociais, e ser a primeira a jogar pedras nas que sofrem tamanha violência.
Camila Silva é jornalista, feminista e impulsionadora do protagonismo feminino no empreendedorismo.