Uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer no planeta. Consagrado na voz de Elis Regina, a canção Maria Maria, de Milton Nascimento, descreve como todas as mulheres deveriam ser tratadas e respeitadas. Mas a máxima não é aplicada para muitas pessoas no Brasil e no mundo, simplesmente pelo ódio voltado às mulheres, à população negra, aos LGBTQ+, aos imigrantes e diversos outros tipos de preconceito ainda (até quando, gente?) presentes na sociedade.
É neste contexto que está Marie Marques, 29 anos. Natural de Massaranduba, cidade do interior da Paraíba, se mudou com a família ainda criança para o Rio de Janeiro. “Tive uma infância normal e fui criada de forma bem livre. Minha mãe, que é uma pessoa sensacional, nunca me privou de nada. Não existia coisa de menino ou coisa de menina”, conta Marie.
O que Marie não sabia, no entanto, era a sua real identidade. “Sempre fui trans, mas naquela época [adolescência] não tinha onde buscar informação. Então sofria muito, porque sempre fui afeminada. Na escola ouvi muito [desaforos]. Eu tinha muito medo [de apanhar], tanto que procurava a proteção da minha irmã”, lembra.
Renascimento
Ainda com seu nome masculino, Marie conta que fez teatro aos 18 anos e até chegou a ter exposição na mídia. Já entre os 22 e 23 anos, decidiu investir na transição de gênero. Desde então, emprego formal no mercado de trabalho virou um ambiente praticamente inacessível. “Para uma pessoa trans, a única alternativa é empreender. Além de não me darem emprego, em vários ambientes meu nome social não é respeitado, mesmo que seja um direito garantido por lei”, afirma.
Assim, a alternativa que Marie encontrou para garantir o próprio sustento foi investir na tatuagem. “Usei um dinheiro que estava juntando e aprendi as técnicas sozinha”, orgulha-se a empreendedora que teve também de abrir o próprio estúdio. “Tentei conseguir vaga um estúdio para trabalhar, mas os donos de estúdio são muito machistas e preconceituosos.”
Respeito
Mesmo dona do próprio trabalho, a empreendedora enfrenta uma série de situações impensáveis para profissionais heterossexuais e cisgêneros. “Muita gente vê e se interessa pelo meu trabalho, mas quando me veem, comentam que ‘não vão deixar uma pessoa como eu tocar nelas’. Em outra situação, aluguei um box para trabalhar e quando o devolvi ao locador, o mesmo comentou que ia ter de dedetizar o espaço, por causa do ‘cheiro de viado’”, lamenta.
A tatuadora, no entanto, não se deixa abater: transformou parte da sua casa em um estúdio, onde atende com hora marcada, e também imprime sua arte em um estúdio que compartilha com outra tatuadora. Para divulgar seu trabalho, aposta nas redes sociais. Mas, se durante o mês o faturamento não atinge o mínimo para pagar todas as contas (aluguel, medicamentos e outros custos básicos), ela conta que não tem tempo ruim. “Faço de tudo. Animo festa, vendo coisas na rua e divulgo promoções o tempo todo. Faço de tudo para não ter de me prostituir, coisa que nunca fiz e não vou fazer. E pretendo expandir o negócio e estudar estética. As pessoas vão preferir tatuar com uma profissional em uma clínica”, aposta.
Marie sonha em adotar uma criança para constituir sua família e também ter mais respeito. Ela conta que já sofreu dois ataques na rua simplesmente por ter a coragem de ser quem é. Foi esfaqueada em uma situação e espancada por um grupo de seis homens na outra, como “aviso para que ela voltasse a ser homem”. “Também quero ser reconhecida e julgada pela qualidade do meu trabalho. Até hoje, nunca ouvi algo negativo sobre mim porque uma tatuagem não ficou boa. Este tipo de crítica eu aceitaria. As críticas que ouço são relacionadas à minha orientação. Sim, orientação e não opção sexual. Se eu pudesse escolher, seria homem e heterossexual, minha vida seria muito mais fácil. Ninguém escolhe ser trans. Mas nem por isso merecemos menos respeito”, conclui Marie.
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