Entrevistas Moda

Fashion for Better: o desafio de Francesca Giobbi em mudar o mercado da moda

Filha de diplomatas, Francesca Giobbi tem cidadania ítalo-brasileira e, graças à multiculturalidade familiar e formação diferenciada, ela conseguiu aos 18 anos o que muitas mulheres apaixonadas pelo mundo da moda sonham: a oportunidade de trabalhar nas empresas mais consagradas e luxuosas do mercado, como Prada, Gucci e Armani.

Depois de uma temporada na Europa, há dez anos Francesca decidiu se reinventar. Designer de calçados formada pelo Istituto Europeo di Design, ela lançou a própria marca de luxo. Porém, ao apresentar a coleção às amigas, a empreendedora foi desencorajada. “Elas questionaram como eu  ia concorrer com dois gigantes: a Itália, centro de luxo, e a China, consagrada pela produção barata”, lembra ela.

Porém, o que a fez rever sua trajetória como empreendedora foi o resultado das pesquisas de mercado que fez em diversos mercados e descobriu que grifes luxuosas produzem calçados na Índia em condições de trabalho desumanas. “A bordadeira destas marcas ganhava dois dólares por dia. Quando me deparei com esta situação, percebi que não fazia mais sentido trabalhar na moda. Não fazia mais sentido a competitividade desleal em toda a cadeia produtiva, desde o início da produção, em que mulheres são pagas de forma incorreta, até estilistas que copiam os grandes. Desta forma, eles desvalorizam  o trabalho e quando você entre em briga de preço, o mercado vira uma feira de banana”, observa.

Novos parâmetros

De acordo com a designer, esta desorganização no mercado fashionista está acabando com o setor, que é o segundo que mais emprega mulheres no mundo. Assim, apoiada pelo marido, Francesca criou o movimento Fashion For Better, em que o objetivo é equilibrar o mercado e repensar a forma como todos os integrantes da cadeia são tratados e remunerados. “Voltei ao Brasil e entrei em contato com a primeira indústria de calçados brasileira, que tem os melhores sapateiros. E uni esta mão de obra de primeira à cultura brasileira, que tem bordados reinassance, tricô e crochê.”

Para validar a ideia, a designer então levou as  peças às grandes marcas. Ao apresentar a ideia e o custo, a receptividade não foi a que ela esperava. “Eles me falavam que o meu bordado é caro. Olhei para eles e respondi: ‘Por acaso esse bordado do seu sapato, que você vende a 2500 pounds [em torno de R$ 12 mil], você pagou 18 dólares. Eu vi onde você fez este bordado na Índia, porque estive lá. O meu bordado custa 40 dólares e vai dar dignidade para mulheres no Brasil. E o cliente que compra o sapato a 12500 reais, não vai fazer diferença para ele. Mas vai fazer diferença para quem está produzindo”, defendeu.

A argumentação de Francesca é completamente válida, mas ainda assim ela ouviu muitos nãos. “Até que eu tive a oportunidade de sentar com o diretor de 800 fábricas italianas que exportam. Ele me disse que os produtos tinham um grande problema: não serem Made in Italy. Respondi que não acredito em Made in Italy, Made in Brazil ou Made in China. Acredito em feito com dignidade e feito sem dignidade. Ele respondeu então que eu teria como desafio mudar o consumidor.”

Próximos desafios

Mais que influenciar o comportamento e consciência do consumidor, a Fashion for Better tem como desafio provocar mudanças em toda a cadeia, desde a produção – com salários justos para os produtores- até a comercialização – etapa em que ainda há lojistas que compram e vendem produtos sem nota fiscal e mercadorias falsificadas ou oriunda de condições análogas ao trabalho escravo. E, ainda que o movimento seja pequeno, ela antecipa que se trata de uma discussão mundial e crescente.

À frente da Fashion for Better, Francesca presta consultoria para empresas e atua no desenvolvimento de produtos, em quem ela entrega para empresas produtos desenvolvidos com mão de obra certificada e cria oportunidade para que a rede de fornecedoras possam ter como clientes grifes de alto luxo.

O próximo passo da designer é lançar e consolidar o selo Fair Fashion, que será uma garantia de que as marcas agraciadas cumprem o compromisso com a dignidade de toda a cadeia produtiva das peças comercializadas.

*Este depoimento foi dado durante a Virada Feminina, realizado em 28 de maio. Para saber mais sobre a Virada Feminina, clique aqui. 

Camila Bez

Jornalista especialista em contar histórias de superação. Feminista, sonha em criar um mundo mais igualitário e justo para as mulheres por meio da informação e do empoderamento econômico.

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