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Paula Breder: empresária capixaba cria produtos para cabelos cacheados e ensina a superar crises

“Existe a pessoa destemida e a pessoa corajosa. A pessoa corajosa vai com medo. A pessoa destemida não tem medo e vai. No meu caso, acho que não era nem uma coisa nem outra. Eu era cara de pau mesmo”, diverte-se a capixaba Paula Breder, dona de umas das principais marcas de cosméticos para cabelos cacheados e crespos, que leva o próprio nome. 

A Paula Breder Fitocosméticos soma hoje um faturamento superior aos seis dígitos, além de contar com 120 profissionais da beleza credenciados para trabalhar com os produtos e revendê-los e outros 1.500 cabeleireiros na fila de espera para investir na metodologia. 

Mas se engana quem pensa que a iniciativa já nasceu grande e com números expressivos. Para chegar até eles, a empresária teve de se dedicar arduamente para criar a fórmula de produtos especializados nas necessidades do cabelo crespo, além de superar muitos altos e baixos. 

Traumas de infância

Os ancestrais de Paula são de Aracruz, no interior do Espírito Santo, onde a tataravó foi escravizada e escolhida para morar na casa grande. Já os demais parentes da empresária tiveram origem nas regiões colonizadas por europeus no estado. Assim, Paula e suas irmãs eram as únicas negras em uma família em que todas as outras crianças eram loiras.

O patriarca da família sempre teve muito orgulho das origens e da beleza das filhas. “Nosso cabelo era tão esvoaçante que meu pai, em uma visita ao Rio de Janeiro, achava que iam sequestrar a gente de tão bonita que éramos.” 

No entanto, o restante da família não tinha a mesma percepção. Durante o velório da avó, Paula se descobriu negra em um episódio bastante traumático. “Pedi para brincar com outras crianças e uma delas respondeu: ‘Você está vendo algum preto aqui?’ Então, entrei na casa da minha avó, a vi no caixão e fiquei em choque”, lembra a cabeleireira. 

Assim, Paula parou de ler, mesmo já alfabetizada. Ela também passou a se esconder atrás de postes, devido à distorção de imagem, e chegou a pedir para raspar o cabelo. Além de ajuda psicológica, ela raspou o cabelo para conseguir voltar à escola. Quando os fios voltaram a crescer, passou a alisá-los. “Desde então, foram 25 anos de alisamento, repetido mensalmente”. 

Viagens pelo Brasil

Casada com um pastor missionário responsável por fundar igrejas no interior do País, Paula até chegou a cursar Comunicação por um tempo. Mas quando decidiu acompanhá-lo nas missões, iniciou os estudos sobre alisamento, a fim de ter uma nova profissão e fonte de receita. “O objetivo inicial era ter uma renda que fosse metade do que ganhava o marido. Mas já no segundo mês de trabalho, passei a ter o dobro do que ele ganhava”, pontua. 

No início dos anos 2000, quando morava em Rosário, no interior do Maranhão, Paula teve um clique. E se ela não alisasse mais o cabelo? Junto com a decisão de interromper a química vieram também as pesquisas na internet. 

Em busca de informações sobre ativos naturais, tão abundantes na região em que morava, ela tinha de esperar até meia noite (para pagar apenas um pulso na conta de telefone, lembra?) para acessar artigos científicos. “Dormia 3 horas por noite. Demorava muito, pois não era a linguagem que eu conhecia. Mesmo assim, queria entender a ação da química no cabelo.” 

Novos rumos

Cabeleireira, Paula era a maior referência em alisamento da região. Durante o dia, alisava o cabelo das clientes. De madrugada, buscava mais e mais referências sobre os fios naturais. Ela decidiu então investir em um curso sobre doenças capilares, realizado em São Luís, capital maranhense, e também se especializou em tricologia (área da dermatologia destinada à prevenção e tratamento incluindo a estrutura e o aspecto dos fios e do couro cabeludo). 

Depois de três meses, Paula tomou a decisão de não oferecer mais serviços de alisamento aos clientes. “Quando resolvi não fazer mais química, entrei em crise. Naquela época, ninguém pagava no cartão, apenas no dinheiro. Já virei a noite trabalhando em cabelo de cliente. Foi um susto até no orçamento doméstico, pois já tinha uma consolidação no mercado e demanda, tanto que gente vinha de cidades vizinhas em busca do meu atendimento”, continua. 

Em 2010, a hoje empresária até atuou como representante de uma marca especializada em cabelos cacheados. Os produtos, que apesar de caros, tinham bastante saída, já que as clientes confiavam na indicação da profissional. “Mas mesmo assim, o cabelo não ficava pronto para receber outras químicas”, observa Breder. 

Na cozinha de casa

Paula, então, teve mais uma ideia: a de usar o conhecimento adquirido nas madrugadas para criar produtos e distribuí-los às clientes para garantir que o cabelo delas estaria saudável para a realização de outros procedimentos, como luzes. 

“Fazia os produtos na cozinha da minha casa. Todos os produtos que vendo hoje, tenho a fórmula. Testo, faço, registro e depois mando para a empresa que mecaniza a produção. Mas na época, fazia os produtos em casa, mesmo não tendo muito conhecimento em conservantes. Dizia aos clientes: ‘Vale quatro dias e guarda na geladeira’”, diverte-se.

Mas a queda de renda do cônjuge levou Paula a mudar a visão sobre os produtos. Ela passou a vendê-los. Frascos de 50 gramas custavam, já naquela época, R$ 100, pois eram muito concentrados. 

E a pequena marca artesanal passou a ganhar fama. Para isso, na cara de pau, ela entrou em contato com cinco administradoras de um grande grupo no Facebook, dedicado a mulheres cacheadas, e ofereceu os produtos. “Foi um kit para cada uma delas, para que testassem e falassem dos produtos no grupo. Elas amaram, indicaram no grupo e os participantes do grupo começaram a comprar”, emenda a empresária.

Desafios

Paula Breder tem uma voz imponente, é bastante determinada e acredita que evoluiu a partir das críticas. Assim, um dos maiores desafios da trajetória foi lidar com uma “influenciadora” e cabeleireira do Acre, que além de difamar os produtos, tentou copiar a fórmula dos produtos para realizar o sonho de ter uma marca com o próprio nome. 

Foi nesta época que a empresária deixou a produção artesanal e passou a produzir os fitocosméticos de forma industrializada, a fim de proteger as fórmulas criadas na base de muito estudo. “Hoje, para você ter ideia, qualquer pessoa que menciona na indústria que quer um produto para cabelo cacheado, eles mandam para mim para ver se eu aprovo ou não”, pondera.

Oportunidade inimaginável

Outra situação que parecia ser desafiadora, mas que se transformou em uma grande oportunidade foi o convite de uma dermatologista para que Paula a visitasse. A empresária pensou que seria repreendida, uma vez que estava à frente de um produto de beleza mesmo sem ter formação específica na área. 

“O que é isso aqui? Quero saber porque tenho uma cliente que eu trato há três anos de alopécia androgenética, já fiz tudo o que você possa imaginar e nunca obtive resultado. Foi quando ela me trouxe este produto que, em menos de 15 dias, deu resultados. Quero ter uma prateleira só com esses produtos para indicar para as minhas pacientes”, disse a profissional à cabeleireira. 

A dermatologista também indicou Paula e seus produtos para um dos programas regionais de maior audiência na TV maranhense. Duas semanas depois, lá estava Paula na televisão. “Depois do programa, o celular estava bombando de ligações por atendimento.” 

Recomeço

Dois meses depois da aparição na TV, em novembro de 2015, Paula teve de voltar ao estado natal para tratar a saúde do marido. Tudo o que a família tinha cabia em um carro. Com uma reserva de apenas R$ 1.500 para abrir um salão e recomeçar a carreira em Vila Velha, Paula conta que não tinha sequer o dinheiro para pagar o aluguel da kitnet em que a família passou a morar. “A igreja é que nos ajudava com cestas básicas e ficou nos mantendo por quase um ano”, conta. 

Para voltar à ativa, a cabeleireira lembra que passou a trabalhar em uma loja colaborativa de mulheres negras, em que destinava 10% do valor sobre os serviços e 15% da venda dos produtos para custear o espaço. Pouco tempo depois, ela percebeu que o que pagava mensalmente de taxas já era o suficiente para alugar um espaço só para ela. 

Ascenção

Primeiro, Paula locou duas salas no mesmo prédio do espaço colaborativo. Poucos meses depois, o espaço ficou pequeno diante da demanda. Ela então levou a empresa para uma casa, depois investiu em uma loja no shopping. Por fim, depois da pandemia, fixou-se na Maison, que hoje é o seu salão vitrine. 

A empresária conquistou ainda a PB Tower, que além do espaço de beleza, é onde são realizadas as formações profissionais. “O meu grande sonho foi a academia, profissionalizar mulheres e trazer uma renda, que não é uma renda básica, um quebra galho, para mulheres que nunca pegaram em um cabelo.” 

Legados e sonhos

Engana-se também quem pensa que Paula deixou os estudos. Em 2023, ela vai concluir a faculdade de Biomedicina, em que apostou para aprofundar os estudos sobre a estrutura capilar. “Quero provar que o scab hair tem cura. O legado que vou deixar é o artigo científico sobre scab hair, porque quando as mulheres deixam a química, especialmente as alcalinas, elas não descobrem o próprio cabelo, mas o scab hair. E isso é muito frustrante.”

Por fim, além de levar a metodologia PB a mais profissionais da beleza, Paula sonha ainda em morar em um sítio, desde que tenha uma boa internet, claro. “Quero criar galinhas, aumentar a prole de gatos de 4 para 10, em um espaço seguro e com uma cachoeira.”, conclui.  

Camila Bez

Jornalista especialista em contar histórias de superação. Feminista, sonha em criar um mundo mais igualitário e justo para as mulheres por meio da informação e do empoderamento econômico.

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