Por estudar em um colégio de freiras, Simone Preis cresceu com a ideia de que sexo era pecado. Assim, ela jamais imaginaria que o assunto seria hoje, anos depois, a atribuição principal do seu trabalho.
Criada em uma família católica, é natural de Criciúma, em Santa Catarina. Teve uma boa infância, apesar da rigidez da família, que também compartilhava da visão pecaminosa da sexualidade e impunha horários para sair e voltar de casa, entre outras cobranças e repressões.
Assim, o empreendedorismo surgiu tarde na vida de Cissa – apelido que adotou ainda na infância, dado por um professor de vôlei-, que teve de se reinventar depois de receber o duro diagnóstico de câncer de mama.
Início da carreira
“Aluna CDF”, como ela mesma se descreve, Cissa era dedicada e sonhava em cursar Medicina, objetivo que ficou perto de se realizar, já que ela ficou em terceiro lugar da lista de espera no vestibular da Universidade de Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
No entanto, por não conquistar a vaga, ficou decepcionada e se permitiu ficar cinco anos longe do mundo acadêmico – hiato que só teve fim quando ela decidiu cursar Administração, aos 23 anos.
Mas a vida profissional começou muito antes. Aos 17 conseguiu um emprego como secretária de academia de ginástica. Também atuou em um shopping center, cartório, construtora e metalúrgica, sempre na área administrativa.
Novos ares
Já em 2005, aos 33 anos, tomou uma decisão inesperada: deixou o País. “Conversava com um angolano pela internet e ele me explicou que Angola estava em reconstrução e havia muitos estrangeiros trabalhando na área de construção civil. Resolvi enviar currículos para as empresas de lá e três demonstraram interesse pelo meu trabalho”, conta ela.
Cissa então vendeu tudo o que tinha e aceitou uma proposta de trabalho, interessada em aprender novas culturas e recomeçar a vida.
Além do novo emprego, conheceu o atual marido, casou-se em 2007 e teve a única filha um ano depois. Tudo parecia bem, até descobrir que enfrentaria uma longa jornada de luta pela vida.
Nem tudo é rosa
Cissa passava as férias de 2011 no Brasil quando recebeu o tão temido diagnóstico: tinha câncer de mama em estágio inicial. “Senti que meu chão caiu, que ia abrir um buraco no meio da terra. Minha sensação era a de estar em queda livre, pois tinha apenas 37 anos e uma filha pequena. Pensei que ia morrer, como toda mulher com na mesma situação pensa que vai”, continua.
Depois de chorar muito e do desespero inicial da família, Cissa conta que começou a raciocinar. Conversou com um bom médico e deu início ao tratamento. Para isso, teve de voltar a morar no Brasil e fez todo o tratamento gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Ao longo de seis meses, fez a cirurgia para a retirada do nódulo, quatro sessões de quimioterapia e 31 de radioterapia. Por conta do processo, ela decidiu raspar os longos cabelos, já que não suportaria vê-los caindo em sua mão em decorrência do tratamento. “Ainda engordei 25 quilos, pois sou alérgica a corticoides, um dos principais componentes do tratamento. Nesta época, me olhava no espelho e não me reconhecia. Mesmo assim, tentava manter a autoestima”, relata.
Para fazer as pazes com o espelho, ela usava lenços e até mandou fazer uma peruca com o próprio cabelo. Ela ainda ensinava outras pacientes oncológicas a usar o adereço na cabeça, além de buscar nos estudos uma forma de aumentar a própria qualidade de vida. “Tudo isso serviu para eu aprender a ser uma mulher melhor, uma pessoa melhor, um ser humano melhor. Percebi que eu poderia ajudar outras pessoas com o meu exemplo de vida.”
Otimismo e fé
Sem histórico de oncologia na família, Cissa conta que não teve muitas reações ao tratamento quimioterápico. “Acredito que isso aconteceu muito pelo fato de eu ser uma pessoa muito positiva. Sempre acreditei que eu ficaria curada”, lembra.
Por isso, Cissa não se permitia ficar triste e nem se tornou uma vítima da própria situação, ainda que esta fosse grave. A cada sessão de quimio, alegrava-se, pois sabia que era mais uma etapa no caminho da cura.
Mas o grande desafio da doença foi a distância. Em tratamento no Brasil, Cissa sentia falta da família que, inicialmente, continuou em Angola. Mais que isso: não pode contar com os cuidados da mãe, que acabara de ter um AVC.
Nova mulher, nova profissão
Foi nesta época que Cissa decidiu mudar, mais uma vez, os rumos da própria vida. Na busca por manter a autoestima, a qualidade de vida e a libido, ela encontrou na sexologia uma nova profissão, tanto que investiu em uma pós-graduação em Sexualidade e Psicologia.
“Depois que me tornei sexóloga, saí dos trabalhos administrativos para palestrar e fazer atendimentos. Aí veio o empreender. Além de trabalhar por conta própria, decidi agregar valor e vender produtos de sex shop, levando-os do Brasil para Angola. Tinha tudo a ver”, continua Cissa.
De volta à Angola e curada do câncer, a agora empreendedora conquistou, além de clientes, a mídia. Participava de programas de rádio e TV do país africano, exposição que lhe rendeu um bom reconhecimento público.
Montanha-russa de emoções
Já em 2019, Cissa recebeu um novo diagnóstico de câncer de mama. Mas desta vez, em vez de quimio e radioterapia, a orientação médica foi a mastectomia (retirada do seio). Desde o procedimento, ela faz hormonioterapia, que é a ingestão de remédios durante cinco anos, a fim de evitar que a doença se manifeste novamente.
Ainda que a quimioterapia tenha sido dispensada na segunda aparição da doença, o sistema imunológico já foi impactado. Por isso, o organismo fica mais suscetível ao aparecimento de doenças oportunistas.
No caso de Cissa, ela desenvolveu a Síndrome de Guillain Barré, patologia que afeta o sistema nervoso e tem como sintoma a perda da força nas extremidades. Por isso, até hoje ela faz fisioterapia, para recuperar plenamente o tônus muscular das pernas.
Outra doença que a atingiu foi a tuberculose, contraída em Angola e que comprometeu seriamente a capacidade respiratória, agora também em recuperação por meio de atividades físicas.
Nova etapa
Assim, em 2020, Cissa voltou definitivamente para Criciúma, em busca de qualidade de vida, e agora está recomeçando sua atividade profissional no País. Além de atendimentos, ela já faz palestras sobre sexualidade, relacionamentos e, claro, saúde da mulher. E ainda está à frente do programa Entre Mulheres, da Rádio Nações.
Além de cursos on-line, atendimento clínico e o programa de rádio, Cissa almeja divulgar cada vez mais informações sobre o câncer de mama. “Até hoje se fala muito pouco sobre o que processo e uma perspectiva positiva sobre a doença. Existe sim uma vida feliz após o câncer. Existe cura e existem formas de prevenção. Existe autoestima saudável durante e pós a doença. E existe vida sexual prazerosa após o câncer de mama”, finaliza.